03 • a terra dá, a terra quer + colonização, quilombos
- pri muniz
- 9 de set. de 2024
- 3 min de leitura
pensar a circularidade para quebrar o binarismo
"se alguém me pergunta se nossos livros estão chegando aos quilombos, respondo que eles não são feitos para os quilombos, eles saíram dos quilombos e têm que chegar aos alphavilles, chegar às universidades e aos shoppings"
tinha acabado de ler "colonização, quilombos" e estava prestes a começar "a terra dá, a terra quer" quando soube da precoce partida de antônio bispo dos santos, um imaginador de presentes e futuros tão importante para o brasil. gosto de pensar, como ele mesmo diz, que sua vida era da circularidade: começo, meio e começo de novo. portanto, sua vida não teve um fim.
é uma honra iniciar 2024 com duas leituras que nos guiam pela cosmovisão quilombola. uma cosmovisão que, aliada às cosmovisões indígenas, é o que há de mais importante e revolucionário nesse país.
guardo com muito carinho essa edição autografada
sempre que faço uma leitura de não-ficção, gosto de me imaginar sentada, escutando a pessoa autora falar. quieta, fico atenta às suas palavras e busco descobrir de onde elas vêm e por que são como são. no final, pondero minhas concordâncias e meus incômodos (eles sempre existem e isso é maravilhoso).
e, gente, como é bom sentar, escutar e refletir sobre as palavras de antônio bispo! gosto como ele joga com as palavras, transformando e rebatendo seus conceitos. um jogo que ele chama de guerra de denominações: "contrariar as palavras coloniais como modo de enfraquecê-las". nos percebemos dentro desse jogo onde desenvolvimento se transforma em envolvimento, desenvolvimento sustentável em biointeração, coincidência em confluência, saber sintético em saber orgânico.
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um dos conceitos que eu mais gosto é o de pensamento fronteiriço. aqui, ele foge da binaridade para dizer que a existência de um pensamento não deve, necessariamente, eliminar a existência de outro. pelo contrário, eles devem se encontrar na fronteira para que exista a possibilidade de diálogo.
sinto que estamos vivendo cada vez mais próximos dessa fronteira, nos questionando sobre o passado, recontando a história a partir de outras perspectivas, criando novas versões de nós mesmos. claro, a mudança do estado atual das coisas tem um custo (e muitas reações), mas gosto de como ele aponta o pensamento fronteiriço como um território movediço e elástico, onde existe a possibilidade de avanço e recuo, assim como no seu jogo de palavras contracoloniais.
"não se trata de um pensamento binário, mas de um pensamento fronteiriço. nunca vamos atravessar para o lado do humanismo, mas também nunca vamos querer que o humanismo atravesse para o nosso lado. também não queremos que ele deixe de existir, só queremos que haja respeito e diálogos de fronteira"
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em meio a uma cultura que nos faz, diariamente, sonhar com um futuro perdido, ele nos lembra que é preciso resgatar o nosso imaginário, deixar de ter medo do futuro. sou fã de ficção científica/distopia, mas gosto especialmente daquelas que nos permitem imaginar saídas - como nas parábolas de octavia butler, onde olamina tenta, a todo custo, moldar um futuro melhor.
esse texto não tem a pretensão de ser um resumo elaborado dos livros, mas sim um pequeno incentivo à leitura do pensamento contracolonial quilombola de antônio bispo dos santos. um incentivo para considerarmos a sua cosmovisão, respeitarmos a sua sabedoria e confluirmos com o seu conhecimento.
viva, antônio bispo dos santos!
imagem: itaú cultural
antônio bispo dos santos é quilombola, filósofo, escritor, poeta e lavrador. formou-se com os saberes de mestras e mestres do quilombo saco curtume, no município de são joão do piauí, e foi o primeiro de sua família a ser alfabetizado. desde cedo, foi incumbido de desenvolver a habilidade de traduzir para a escrita a sabedoria de seu povo. (ubu)
para além dos livros:
as lições contracoloniais de um quilombo, por itamar vieira junior
confluência de saberes, resenha de jefferson barbosa
uma conversa entre antônio bispo dos santos e ailton krenak
aquilombe-se: “eu respondi em poesia aquilo que eu não conseguia responder em palavras"
somos da terra, texto para a piseagrama
a roça, por geni núñez